sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Chuva das quatro

Agora em Belém são quatro horas da tarde.

A chuva cai e risca a paisagem, como a tinta a óleo a tela. Sombrinhas colorem o chão, árvores choram gotas alegres, agradecem a água de todo dia. Nesta cidade, a chuva representa, significa, diz muito da riqueza, da beleza.

Contemplo a paisagem pintada a gotas, todas as tardes. Os riscos surgem e junto com eles o barulho da tranquilidade pinta a paz. E no embalo da orquestra artesanal dos pingos, as redes vão e vêm, as bênçãos penetram os poros invadindo a alma e limpam as preocupações diárias.

É na chuva que as desigualdades ficam mais aparentes. Ricos secos e pobres molhados. Ou será o contrário? De um lado, São Pedro, "deus da chuva", abençoa plantações, hortas, jardins, corações e mentes desanimadas. De outro, enchentes que brigam e desabrigam famílias inteiras, trovões, tempestades e raios.

Já nos primeiros instantes, chuviscos energizam os sentidos para a nostálgica infância, quando acontecem partidas de futebol e de queimadas regadas à chuva, suor e sol. Ou seria sol, suor e chuva?

Quatro horas da tarde. Horário para olhar, sentir, dizer, escrever, fotografar, amar, comover-se, dançar, brincar, viver, comer, rezar, abençoar-se, tranquilizar-se, banhar-se.

A chuva chega às quatro horas em Belém.

(Revisão: Andreza Raiol)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Ter um Everest para chamar de seu

Sem contar as viagens de avião, o lugar mais acima do nível do mar em que já estive talvez tenha sido quando brinquei no Hadikalis (65 metros), no Parque Hopi Hari, em São Paulo, ou quando visitei o topo do Ed. Manoel Pinto da Silva, no centro de Belém. A nenhum desses lugares tive de subir com meu esforço físico. Agora, quando vejo artistas paraenses escalando seus Everest’s, também sem uma corda sequer, mas com uma força interior tão grande e tão verdadeira, transporto-me imediatamente para o livro "No ar rarefeito", de Jon Krakauer. Nele, aprendi que escalar montanhas é uma aventura e tanto, mas é também uma prática quase religiosa, no sentido de religar o espírito à energia vital do homem, ao senso de responsabilidade, a um sentido existencial muito forte. O que é viver plenamente senão gostar de produzir um bom trabalho e ser feliz com o que se produz? O livro de Krakauer é, sobretudo, a história de pessoas abnegadas, apaixonadas pelo alpinismo, pela força bruta da natureza envolvendo-as no frágil limite entre a vida e a morte. Neste caso, a linha tênue se rompeu várias vezes, e muitos – dessa turma – que tentaram escalar o Everest (e até escalaram) morreram antes de descer para o ar denso do mundo cá embaixo. Os artistas paraenses sobem, a cada dia, a cada suor, a cada nota, a cada lágrima, a cada aplauso. Eles sobem. Eu subo com eles, uma vez que me encho de orgulho e de determinação para continuar caminhando rumo ao cume da minha montanha. O talento de Krakauer é o de levar o leitor como quem nos toma pelo braço e nos põe na rota certa, no ângulo privilegiado da melhor paisagem. O Everest só não está por inteiro no livro porque é impossível assimilá-lo por completo, assim nos sugere o autor. Chegar ao topo é sim uma alegria muito grande, mas a caminhada até lá, além de ser motivo de um imenso orgulho, é a força motriz que conduz e determina essa chegada ao cume do Everest. Alguns artistas chegam, outros não; e, independente disso, todos são merecedores de reconhecimento e de respeito porque pretendem não desistir dessa escalada de 8848 metros de altura, que é o nosso Everest de cada dia. (revisão Andreza Raiol)