quarta-feira, 20 de março de 2013

O canto da sereia

Na mitologia greco-romana, a festa do Navigium Isidis em honra à Deusa Isís, senhora do mar e protetora dos navegantes, era comemorada tão logo quando as águas de março chegavam. Predestinação ou apenas brincadeira do Tempo, Luê confeccionou a musicalidade de seu cd "A fim de onda" em simbiose com os mistérios marinhos e, no último dia 9 de março, a moça fez o seu show de lançamento em Belém. 

O cenário foi o palco do neoclássico Theatro da Paz, que se transfigurou em navio à deriva no mar, de onde a sereia Luê, durante 90 minutos, seduziu a plateia. A artista materializa a palavra sedução como quem guia os tripulantes para um mundo paralelo, rumo ao portal do reino das águas, como quem faz valer o fascínio das emoções cristalizadas nos sentimentos. O encanto da sereia nos conduz, para que possamos dar asas à imaginação simbólica e criativa, num significado mais amplo. Nesse sentido, a composição harmoniosa entre o cenário, o figurino e a ressonância sonora foi arrebatadora e me levou - em vários momentos - a sincronizar o meu corpo ao balanço das águas. 

"A fim de onda" é um convite ao mundo (en)cantado do mar, onde habitam cavalos marinhos que trovam poesias; onde há espaço para a saudade de um amor, mas também para a alegria de uma paixão. Ela, que sempre escondeu a voz atrás das cordas de um violino, agora dá vez ao seu canto de sereia e também à força de seu nome de batismo Luê Naya: Luê, Lua em tupi-guarani, a faz cintilar. Já Naya, ninfa cantante, empresta seu dom e a permite fascinar agora em águas amazônidas. De origem mítica, seu nome vem confirmar o (en)canto da iara paroara. O luar também acompanha as suas influências e as suas cantorias, como pude notar em suas versões para o brega "Em plena lua-de-mel", de Reginaldo Rossi e para o carimbó "Lua luar", de mestre Lucindo. É interessante perceber essas ligações na construção da identidade musical da cantora. 

Para o escritor Franz Kafka, as sereias possuem uma arma ainda mais terrível do que o canto: o silêncio. Essa premissa coube a ela quando silenciosamente encaixou a sua - já indissociável - rabeca ao corpo. Ficou esclarecida e mais completa a força de sua maré. Não por acaso, os "tripulantes" do navio "da Paz" chegaram às lágrimas com a sua versão instrumental para "La vie en rose", da cantora Edith Piaf.

As sereias - os sirenes, como são denominadas na mitologia, cantam para que mantenhamos o diálogo criativo com o inconsciente, com a imaginação, entre a vida e a morte, entre a sereia e o pescador, que somos todos nós. 

Não adianta ficar amarrado ao mastro, como Ulisses de Homero, e depois deixar morrer a tentação. É preciso mais. É preciso que em nossas vidas haja mais espaço para o processamento, tempo de elaboração das ideias, um tempo circular, um tempo circum-ambular pela experiência, no cumprimento de ritos que venham a atualizar os mitos dentro de nós. Precisamos reconstruir constantemente o diálogo com a imaginação e valorizar as expressões do nosso imaginário folclórico, coletivo e pessoal. 

Luê deu voz à essência amazônida sem deixar de expressar o pop, o dub, a psicodelia das guitarras. E eu fiquei a fim de onda só pra ver como essa pororoca vai ressoar para o mundo.

Revisão: Andreza Raiol.
Foto: Thiago Araújo.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Elián recebe carta do pai, Juan.

Cárdenas, 25 de novembro de 2014.

Filho,

Hoje completa 15 anos que renasceste, ao cruzares as fronteiras cubanas rumo ao exílio na "Havana americana", a "Little Havana", na Flórida. Para mim, a tua existência é um milagre. Elián, és o meu "niño milagro". De símbolo da legitimidade cubana a motivo de culto religioso, de simples garoto à personificação do poder castrista. Entre todas essas denominações, a que eu mais tenho orgulho é a de "filho de Juan".

És um homem de 21 anos, por isso tens maturidade para compreender que aqueles dias de refúgio na colônia cubana, na Flórida, foram importantes para que eu conseguisse a tua guarda permanente e proteção legal, entendes Elián? Quero que me perdoes pelo sofrimento que passaste sob a tutela de tua família materna e de teu avô Lázaro. Eles vivem e acreditam que a democracia é alienante, por isso se dizem autocráticos e praticam leis próprias.

Na época, Elián, o presidente dos EUA Bill Clinton apoiou a tua volta para casa, mas não por comoção, foi por pura pressão e estratégia política. Em casos como esse o ser humano deixa de ser e de sentir e passa a ser mero instrumento ideológico. De um lado, a Fundação Cubano-Americana, que financia a "Little Havana" anticastrista nos EUA deu auxílio jurídico ao seu avô Lázaro. De outro, a juíza Janet Reno determinou a sua volta para Cárdenas, sob a minha guarda. No centro, a impresa internacional embalava essa dança diplomática durante os sete longos meses de negociação. No fim, vencemos.

Parabéns por ser quem és, Elián, por ser exemplo e por confiar na minha decisão de querer te educar na nossa Cuba, entre as gardênias de Cárdenas e os ensinamentos de Fidel.

Com amor,
Teu pai, Juan.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Chuva das quatro

Agora em Belém são quatro horas da tarde.

A chuva cai e risca a paisagem, como a tinta a óleo a tela. Sombrinhas colorem o chão, árvores choram gotas alegres, agradecem a água de todo dia. Nesta cidade, a chuva representa, significa, diz muito da riqueza, da beleza.

Contemplo a paisagem pintada a gotas, todas as tardes. Os riscos surgem e junto com eles o barulho da tranquilidade pinta a paz. E no embalo da orquestra artesanal dos pingos, as redes vão e vêm, as bênçãos penetram os poros invadindo a alma e limpam as preocupações diárias.

É na chuva que as desigualdades ficam mais aparentes. Ricos secos e pobres molhados. Ou será o contrário? De um lado, São Pedro, "deus da chuva", abençoa plantações, hortas, jardins, corações e mentes desanimadas. De outro, enchentes que brigam e desabrigam famílias inteiras, trovões, tempestades e raios.

Já nos primeiros instantes, chuviscos energizam os sentidos para a nostálgica infância, quando acontecem partidas de futebol e de queimadas regadas à chuva, suor e sol. Ou seria sol, suor e chuva?

Quatro horas da tarde. Horário para olhar, sentir, dizer, escrever, fotografar, amar, comover-se, dançar, brincar, viver, comer, rezar, abençoar-se, tranquilizar-se, banhar-se.

A chuva chega às quatro horas em Belém.

(Revisão: Andreza Raiol)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Ter um Everest para chamar de seu

Sem contar as viagens de avião, o lugar mais acima do nível do mar em que já estive talvez tenha sido quando brinquei no Hadikalis (65 metros), no Parque Hopi Hari, em São Paulo, ou quando visitei o topo do Ed. Manoel Pinto da Silva, no centro de Belém. A nenhum desses lugares tive de subir com meu esforço físico. Agora, quando vejo artistas paraenses escalando seus Everest’s, também sem uma corda sequer, mas com uma força interior tão grande e tão verdadeira, transporto-me imediatamente para o livro "No ar rarefeito", de Jon Krakauer. Nele, aprendi que escalar montanhas é uma aventura e tanto, mas é também uma prática quase religiosa, no sentido de religar o espírito à energia vital do homem, ao senso de responsabilidade, a um sentido existencial muito forte. O que é viver plenamente senão gostar de produzir um bom trabalho e ser feliz com o que se produz? O livro de Krakauer é, sobretudo, a história de pessoas abnegadas, apaixonadas pelo alpinismo, pela força bruta da natureza envolvendo-as no frágil limite entre a vida e a morte. Neste caso, a linha tênue se rompeu várias vezes, e muitos – dessa turma – que tentaram escalar o Everest (e até escalaram) morreram antes de descer para o ar denso do mundo cá embaixo. Os artistas paraenses sobem, a cada dia, a cada suor, a cada nota, a cada lágrima, a cada aplauso. Eles sobem. Eu subo com eles, uma vez que me encho de orgulho e de determinação para continuar caminhando rumo ao cume da minha montanha. O talento de Krakauer é o de levar o leitor como quem nos toma pelo braço e nos põe na rota certa, no ângulo privilegiado da melhor paisagem. O Everest só não está por inteiro no livro porque é impossível assimilá-lo por completo, assim nos sugere o autor. Chegar ao topo é sim uma alegria muito grande, mas a caminhada até lá, além de ser motivo de um imenso orgulho, é a força motriz que conduz e determina essa chegada ao cume do Everest. Alguns artistas chegam, outros não; e, independente disso, todos são merecedores de reconhecimento e de respeito porque pretendem não desistir dessa escalada de 8848 metros de altura, que é o nosso Everest de cada dia. (revisão Andreza Raiol)

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Sociedade da Insegurança

O Brasil é um País desigual. A má distribuição de renda desencadeia gradualmente conflitos. Um deles é a volência em toda a sua extensão. Essa violência, que é social, gera outra violência, a física. A problemática se agrava quando o cenário é a escola e os personagens, membros da comunidade escolar.

Quem acentua a violência é a má educação social. As regras sociais que precisam ser ensinadas e, principalmente, praticadas pelos pais, educadores, gestores e políticos deste País parecem não estar sendo levadas a sério. As causas são muitas.

A mídia, em particular a televisão, noticia acontecimentos de estudantes que foram agredidos, professores que denunciaram alunos, estudantes que mataram colegas dentro ou fora da escola, mas em contrapartida não informa ou sugere medidas preventivas ou, pelo menos, paliativas no sentido de redefinir a educação, como deveria ser.

A rede mundial de computadores atua de forma direta na comunicação social da população, e por este motivo há a necessidade deste canal reformular suas estratégias ideológicas, ampliando o valor e o sentido da vida em prol desta, e não condicionando-a ao materialismo, que agride, que envaidece e culmina a fatalidades. A exemplo do estudante que a caminho da escola foi abordado e violentado por outros estudantes por não pagar a quantia que lhe dava garantia de vida.

À medida que os membros da comunidade escolar assumirem o seu papel de formadores, e não de deformadores, e os meios de comunicação usarem seu poder para auxiliá-los neste desafio, certamente a escola será o cenário ideal para a convivência e a aprendizagem.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Família ê, família á

Laços afetivos. Núcleo de convivência. Fundamento da sociedade. Amor conjugal. Centro de referência. Indivíduos que compartilham genes, casa, quarto e parentes biológicos, ou não. Estes são conceitos sobre família, mas que estão sofrendo alterações no século XXI.

Essas alterações acabam por reinventar o conceito e o formato tradicional de família. É o caso do casal homossexual brasileiro, Michele e Carla, que, recentemente, conquistaram o direito de registrar seus filhos gêmeos no nome de ambas. Ou então o das novas famílias que agregam novos membros, ainda sem sabermos nominá-los. Essas alterações se tornam uma grande inclusão, um processo social que está nos levando não ao fim, mas à revalorização da família.

Pesquisas de comportamento mostram que, mais até do que amigos, os bichos de estimação são hoje vistos como filhos ou irmãos em boa parte dos lares que os acolhem. No Brasil, essa é a realidade em 44% das residências das classes A, B e C. Tal qual o cão Argos, de Homero, e a cadela Baleia, de Graciliano, os animais são cúmplices, com os quais seus donos vivem dores e delícias.

Esses laços afetivos dão sentido à vida e este é o motivo pelo qual as novas possibilidades não colocam os conceitos sobre família em desuso. Pelo contrário, quanto mais arranjos familiares forem inventados, mais a base familiar reafirma sua importância na sociedade.

Com a aceitação e inclusão, social e legal, dos novos conceitos sobre família, temos o século XXI marcado pelos diferentes e não menos importantes, arranjos familiares.

sábado, 29 de agosto de 2009

Brasil, mostra tua cara!

De um lado, garotas de Ipanema, lindas e cheias de graça. De outro, adolescentes grávidas de graças tão lindas quanto às outras.

O País tem dimensões continentais, variedades naturais e culturais e elevado potencial turístico. Causa espanto e cobiça. No norte, há a Amazônia, maior diversidade entre as florestas da zona intertropical do globo terrestre. Além disso, um gigantesco reservatório de petróleo e gás natural, localizado na Bacia de Santos, Campos e Espírito Santo, precisamente de cinco a sete metros abaixo do nível do mar fará o Brasil ser o maior produtor e exportador de petróleo e derivados do mundo.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE) confirmam que a expectativa de vida aumenta a cada ano, indicando maior demanda para serviços médicos e estéticos. O mercado cresce. Em contrapartida, o Sistema Único de Saúde(SUS) coleciona processos judiciários e irregularidades e o trabalho escravo no País é denunciado pela Organização Internacional do Trabalho(OIT).

De um extremo a outro do País, a fé cristã se manifesta. Cristo Redentor, braços abertos, mora no cartão postal do Brasil, ícone da religiosidade presente na vida de mais da metade da população, segundo o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística(Ibope).

Em cada canto, uma cor, uma comida, um ritmo, um clima, uma fala, uma dança, um brasileiro diferente. Todos os "brasis" juntos constroem o caleidoscópio latino, festivo e tropical que traduz o que é o Brasil: samba, feijoada completa, partida de futebol. Aliás, vai bola, vem bola. O Brasil é penta campeão do mundo. Orgulho e glória, amém!

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Tatuei Caio F. em mim


De todos aqueles dias seguintes, só guardei três gostos na boca - de vodca, de lágrima e de café. O de vodca, sem água nem limão ou suco de laranja, vodca pura, transparente, meio viscosa, durante as noites em que chegava em casa e, sem Ana, sentava no sofá para beber no último copo de cristal que sobrara de uma briga. O gosto de lágrima chegava nas madrugadas, quando conseguia me arrastar da sala para o quarto e me jogava na cama grande, sem Ana, cujos lençóis não troquei durante muito tempo porque ainda guardavam o cheiro dela, e então me batia e gemia arranhando as paredes com as unhas, abraçava os traveseiros como se fossem o corpo dela, e chorava e chorava e chorava até dormir sonos de pedra sem sonhos. O gosto de café sem açúcar acompanhava manhãs de ressaca e tardes na agência, entre textos de publicidade e sustos a cada vez que o telefone tocava. Porque no meio dos restos dos gostos de vodca, lágrima e café, entre as pontadas na cabeça, o nojo na boca do estômago e os olhos inchados, principalmente às sextas-feiras, pouco antes de desabarem sobre mim aqueles sábados e domingos nunca mais com Ana, vinha a certeza de que, de repente, bem normal, alguém diria telefone-pra-você e do outro lado da linha aquela voz conhecida diria sinto-falta-quero-voltar. Isso nunca aconteceu.

- Caio Fernando Abreu em Sem Ana, Blues de Os Dragões não conhecem o paraíso.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Dinâmica dos fluidos

"Somos todos partículas. Átomos. Elementos químicos células, pessoas. Nos locomovemos. É isso que as partículas fazem. São atraídas e repelidas. O ar vai do quente para o frio. As cargas elétricas, do positivo para o negativo. Os planetas se atraem. E nós, indivíduos, para onde vamos?

Temos o livre-arbítrio. Vamos para onde queremos. O que torna nossos fluxos bem mais complexos de se organizar. O modelo matemático do trânsito é o mesmo da dinâmica dos fluidos. Da água correndo pelos canos. Cada cano como se fosse uma molécula d'água. O espaço entre eles é a pressão. Poucos canos, pouca pressão, o trânsito flui bem. Se a água é represada: muitos canos, pouco espaço entre eles, maior pressão. Só que a cidade não é só um cano ; é um emaranhado de canos, com água correndo para diferentes direções"

(texto sobre o trânsito de São Paulo narrado pela personagem Ênio (Leonardo Medeiros), no filme brasileiro "Não por acaso".

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Menina bonita do anel de ouro

Homens e mulheres cantam e dançam em roda, quase todos descalços. Seus passos imitam o andar de bichos. O nome, carimbó, vem de um tipo de tambor (curimbó) escavado em tronco de árvore, usado ao lado de outros instrumentos como banjo, flauta, clarinete e cuíca (ou onça), para tocar o carimbó.

A dança apresenta forte influência africana. É uma das formas do batuque de terreiro, parecida com outras danças, como o jongo (SP, RJ), o tambor-de-crioula (MA) e o zambê (RN).

A quem interessar, Câmara Cascudo, grande estudioso da cultura popular, tem um blog:
http://memoriaviva.digi.com.br/cascudo/index2.htm



Grupo "Quentes da Madrugada" (Santarém Novo - PA) no espaço cultural "Cachoeira", em São Paulo.